Allan Kardec desencarnou em 31 de março de 1869, com 64 anos de idade, devido ao rompimento de um aneurisma.
Somente em 1890, vinte e um anos após sua desencarnação é que livro “Obras Póstumas” foi publicado. A
publicação ficou a cargo de Pierre-Gaetan Leymarie (1827-1901), o qual se
responsabilizou pela continuidade da publicação das obras de Kardec, em Paris.
Esse livro apresenta vários trabalhos de Kardec que nunca haviam
aparecido em seus livros anteriores. Muitos desses trabalhos foram publicados
em sua “Revista Espírita”, logo após sua morte. O material que se conservou
inédito até 1890 corresponde à Segunda Parte do livro.
Sendo um dos livros mais desconhecidos e menos estudados sobre Kardec,
sua importância é inegável e nenhuma objeção se pode fazer à legitimidade de
seu conteúdo e dos trabalhos nele publicados.
José Herculano Pires (1914-1979), filósofo,
jornalista, escritor e professor, sendo um dos melhores tradutores das obras de
Kardec, o qual fez a revisão, introdução e notas explicativas desse livro,
publicadas pela LAKE – Livraria Allan Kardec Editora (13ª edição), afirma que:
“Há ainda
pessoas que levantam suspeitas infundadas quanto à validade deste livro, o que
por sinal em nada o afeta, principalmente para os que se dão ao trabalho de
lê-lo e analisá-lo. Só lamentamos que não se tenham publicado mais alguns
volumes póstumos de trabalhos do mestre, que forçosamente os deixou em maior
número, tal era a sua capacidade de trabalho e o seu desejo de abordar todos os
problemas relativos ao Espiritismo. A publicação tardia de Obras Póstumas
revela, infelizmente, que houve descuido nesse sentido por parte dos seus
sucessores. Não se trata de uma acusação, mas apenas de um registro
necessário.”
O primeiro problema detectado como
contraditório, segundo alguns críticos, aparece justamente no seu início, na forma de uma pequena nota de
abertura intitulada “Aos assinantes da Revista” onde se encontra a seguinte
frase:
“Até
agora, a Revista Espírita tem sido especialmente criação e oba de Allan Kardec,
como também as demais obras doutrinárias que ele publicou.”
Para Herculano, essa afirmação não tem
fundamento:
“O
desmentido vem na segunda parte do volume, quando vemos que todo o trabalho da
Codificação (incluindo a Revista, como o disse o próprio Kardec) resultou de
uma colaboração estreita e permanente entre ele, os médiuns que o serviam, os
Espíritos que o orientavam e os grupos e centros de estudos com os quais se
correspondia. Vê-se estampado nessas poucas linhas o drama de um homem que,
tendo se adiantado ao seu tempo, teve de enfrentar a incompreensão e o despeito
dos que desejavam fazer doutrina acima dele.”
Herculano Pires, que soube tão bem
compreender o pensamento de Kardec, deixou esclarecimentos importantíssimos
sobre esses fatos:
“A
responsabilidade espiritual de Kardec era enorme e ele não podia partilhá-la a
não ser com aqueles que traziam à Terra a missão de ajudá-lo. Muitas vezes quis
servir-se de pessoas que julgava aproveitáveis, mas os Espíritos Superiores o
advertiam em sentido contrário. Kardec se retraía e os seus companheiros
atribuíam essa atitude às suas possíveis ambições de predomínio. O próprio
Flammarion, à beira do túmulo, não o acusou de fazer obra um pessoal? Essa
acusação se repete de maneira mais violenta e incisiva na nota da Revista em
junho de 1869, três meses após a desencarnação do mestre, que serve de abertura
para o texto geral de Obras Póstumas. Longe disso, porém, Kardec procurava
colaboradores e sofria por não encontrá-los. A obra não era pessoal, mas a
responsabilidade da sua atualização na Terra tornou-se quase pessoalíssima em
virtude da falta de criaturas aptas a compreendê-la. E a prova maior disso está
no que fizeram da Revista Espírita e da Sociedade Espírita, por ele fundadas,
após a sua passagem para a vida espiritual.”
As anotações íntimas de Kardec, publicadas
nesse livro, nos dão uma idéia da grandeza de sua missão:
“Este
livro apresenta o testamento doutrinário de Allan Kardec. Reúne os seus
derradeiros escritos e as anotações íntimas, destinadas a servir mais tarde
para a elaboração da História do Espiritismo que ele não pode realizar. Vemos
aqui a sua plena confirmação dos ensinos dados nas obras anteriores e a
justificação de muitas de suas atitudes mal compreendidas pelos contemporâneos.
Esta obra precisa ser lida com atenção e respeito. Ela nos desvenda os segredos
de uma vida missionária. Quanto à grandeza dessa missão basta vermos o que os
próprios Espíritos Superiores dizem em suas comunicações aqui reproduzidas. Na
mensagem intitulada ‘Minha missão’ de 12 de abril de 1860, vemos que os Espíritos
Sábios ficarão felizes de poder assisti-lo, e mais: quantos entre eles
desejariam cumprir a sombra dessa missão!”
No final do livro encontra-se
um dos últimos trabalhos de Kardec: a Constituição do Espiritismo “com o qual ele pretendia orientar os que
ficavam, de maneira a poderem manter ao mesmo tempo o serviço de divulgação e o
desenvolvimento da Doutrina, sem prejuízo de seus postulados de liberdade e
responsabilidade. Ressalta desse esboço o espírito liberal de Kardec, a sua
profunda convicção de que o homem é um ser livre, de cuja liberdade depende o
seu desenvolvimento espiritual como personalidade responsável.”
(Publicado em nosso folheto mensal - "O Girassol" - edição de março de 2012)